Quando o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva pisou na pista de pouso em Pequim, neste mês de maio, sua visita de Estado estava destinada a aproximar ainda mais as duas potências emergentes — geograficamente distantes, mas alinhadas em muitos aspectos — enquanto buscam navegar por um cenário global em rápida transformação.
Durante a reunião no Grande Salão do Povo, o principal local oficial da China para diplomacia de Estado e grandes eventos políticos, foram assinados vinte novos acordos entre os dois países, abrangendo estratégia de desenvolvimento, ciência e tecnologia, agricultura, economia digital e muito mais. O presidente Xi enquadrou a relação como o início dos próximos “50 anos dourados”, enquanto Lula enfatizou uma nova governança global baseada em laços mais fortes entre os países do Sul Global.
Num momento em que instituições multilaterais parecem lentas e antigas alianças se desgastam, China e Brasil — as principais economias em desenvolvimento em seus respectivos hemisférios — estão se alinhando em diversos setores. Juntas, estão testando a viabilidade de um modelo de globalização ao mesmo tempo pragmático e voltado para o futuro.
As trocas econômicas entre os dois países vêm crescendo de forma constante: o Brasil exporta soja, milho, minério de ferro e petróleo bruto; a China envia de volta máquinas, eletrônicos e, mais recentemente, veículos elétricos. Em 2024, o comércio bilateral atingiu o recorde de US$ 188 bilhões — alta de 3,5% em relação ao ano anterior — consolidando o papel da China como maior parceiro comercial do Brasil por mais de uma década.
Os laços bilaterais têm como base fundamentos essenciais — principalmente a segurança alimentar e energética. A soja, a carne bovina, o petróleo e o minério de ferro que a China importa do Brasil são cruciais para sua estabilidade de longo prazo. Sendo o maior importador mundial tanto de petróleo quanto de minério de ferro, a China conta com o Brasil para se diversificar e reduzir a dependência de fornecedores com maior risco geopolítico.
O minério de ferro, por exemplo, é a espinha dorsal do aço — e, portanto, elemento central na estratégia de infraestrutura da China. Da mesma forma, o petróleo bruto brasileiro — desvinculado das volatilidades do Oriente Médio — oferece à China alternativas num mundo cada vez mais marcado por pontos de estrangulamento e sanções.
As empresas chinesas também estão explorando o potencial mais amplo do Brasil.
Um indicador que se destacou foi o mercado de veículos elétricos. No primeiro semestre de 2024, marcas chinesas responderam por 89% de todos os veículos elétricos vendidos no Brasil, ante 74% no ano anterior, segundo a Bloomberg. Esses veículos estão se tornando rapidamente a opção dominante no maior mercado da América Latina — apoiados por preços competitivos e desempenho confiável.
Isso mostra como o “Made in China” está evoluindo de uma manufatura de baixo custo para a mobilidade de alta tecnologia. É também um caso de teste sobre como a estratégia industrial chinesa pode ganhar escala em mercados emergentes.
Além disso, empresas como a Meituan, principal plataforma chinesa de delivery de alimentos e serviços locais, e a Didi, grande companhia de transporte por aplicativo, estão expandindo operações no Brasil. Enquanto isso, a J&T Express, empresa de logística conhecida por sua rede de entregas rápidas, a SHEIN, gigante do e-commerce de moda ultrarrápida, a Temu, marketplace de descontos apoiado pela Pinduoduo, e a AliExpress, plataforma global de varejo do Alibaba, consolidaram-se no tecido do comércio digital brasileiro. Isso só foi possível graças ao rápido avanço da infraestrutura de pagamentos no Brasil — mas também reflete uma crescente confiança entre marcas chinesas e consumidores brasileiros.
Para além desses fundamentos do dia a dia, há também cooperação de alto nível em andamento. A colaboração espacial é um exemplo. Ao longo de três décadas, China e Brasil desenvolveram e lançaram em conjunto seis Satélites de Recursos Terrestres. O programa — iniciado no começo da década de 1990 — já foi visto como uma exceção. Hoje, exemplifica como dois países em desenvolvimento podem reunir recursos para alcançar avanços tecnológicos de ponta. Esses satélites agora contribuem com tudo, desde o monitoramento do desmatamento na Amazônia até previsões de enchentes — serviços que antes eram oferecidos exclusivamente pela NASA ou pela Agência Espacial Europeia.
A energia limpa tornou-se um foco estratégico na parceria China-Brasil. Durante a visita de Lula a Pequim, o Brasil garantiu quase US$ 5 bilhões em novos investimentos chineses, sendo mais de 30% destinados à energia limpa, incluindo projetos emblemáticos como o que se tornará a maior usina solar flutuante do mundo, na Amazônia. Com mais de 3.000 horas de sol por ano, o potencial solar brasileiro é vasto — e a tecnologia chinesa está pronta para impulsionar sua expansão de 24 GW para 50 GW até 2030.
À medida que os países do BRICS buscam ampliar sua autonomia financeira, novos mecanismos estão sendo desenvolvidos para oferecer maior flexibilidade nos acordos comerciais internacionais.
Em outubro de 2024, foi lançado o BRICS Pay — um sistema baseado em blockchain que permite liquidações em tempo real, em moedas locais, entre os países-membros. Ele foi concebido para reduzir a dependência do dólar americano e servir como alternativa ao sistema SWIFT.
Aproveitando esse impulso, a China anunciou, durante o Fórum China–CELAC de 2025 em Pequim, quase US$ 10 bilhões em linhas de crédito denominadas em yuan para países da América Latina e do Caribe. A iniciativa faz parte de um esforço mais amplo para fortalecer a autonomia financeira regional, aprofundar o comércio em moedas locais e fomentar um panorama financeiro global mais plural.
Sob o guarda-chuva dos BRICS, a parceria China–Brasil oferece um estudo de caso convincente sobre como pode ser a cooperação Sul-Sul em uma economia mundial fragmentada. Trata-se de uma relação impulsionada por necessidades convergentes e fundamentada no pragmatismo — e, numa era em que as antigas certezas da globalização já não se aplicam, esse tipo de realismo pode se revelar uma fonte duradoura de influência.
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