A Receita Federal gerou preocupação no meio jurídico ao publicar a Solução de Consulta Cosit nº 75, que obriga potenciais beneficiários efetivos de trusts estrangeiros a declararem e tributarem os rendimentos gerados pelos bens mantidos dentro da estrutura patrimonial criada no exterior, mesmo sem terem acesso efetivo a esses bens. A solução de consulta, que vincula toda a fiscalização do país, aplica o regime de transparência fiscal mesmo para trusts irrevogáveis, discricionários e com condições suspensivas — o que, na visão do especialista, representa um grave desvio da legalidade.
“A Receita claramente colocou a carroça na frente dos bois”, afirma o advogado do escritório Natal & Manssur Advogados, Carlos Crosara, especialista em Direito Tributário pela PUC/SP e doutorando pela USP. Para ele, ao tributar um beneficiário que ainda não possui disponibilidade econômica ou jurídica sobre os bens do trust estrangeiro, o Fisco tributa mera expectativa de direito e viola o artigo 43 do Código Tributário Nacional. “Você está obrigando alguém a pagar imposto sobre algo que talvez nunca receba. Isso é tão absurdo quanto cobrar ITCMD de um herdeiro sobre a herança de seus pais vivos.”
Segundo Crosara, no caso examinado pela Cosit 75, a Receita desconsidera por completo a existência da pessoa jurídica no exterior e ignora o fato de que a aquisição, pelo beneficiário efetivo, da titularidade do patrimônio no trust depende do cumprimento de condições futuras e incertas. “Não importa se há pessoa jurídica, condições suspensivas ou se o trust é revogável. A Receita atribui diretamente ao beneficiário a obrigação de declarar os bens e tributar os rendimentos por eles produzidos, como se ele já fosse o titular desde o início.”
De acordo com o tributarista, a legislação brasileira não define o instituto do trust no direito civil ou comercial, ao contrário das leis estrangeiras onde comumente ele foi constituído. Nesse caso, em regra, devem ser respeitadas essas leis no tocante à definição e ao funcionamento do trust, o que se aplica ao Fisco brasileiro. “A ausência de lei brasileira de direito privado disciplinando o instituto não autoriza o Fisco brasileiro a aplicar – de plano – regime de transparência fiscal e tributar renda não disponível ao beneficiário efetivo residente no Brasil”.
Crosara defende que apenas uma lei específica de direito privado poderia normatizar o trust no Brasil, esclarecendo melhor sua natureza e regime jurídico aplicável. “Não se pode deixar esse papel para a jurisprudência, senão os tribunais assumem função legislativa — o que abre caminho para uma insegurança jurídica ainda maior.”
Na prática, a exigência pode gerar efeitos dramáticos: se um beneficiário pagar imposto hoje sobre um patrimônio que jamais receberá — por exemplo, em caso de revogação do trust — todo o tributo terá sido recolhido indevidamente. “É tributação com base em expectativa. E expectativa de direito, por definição, não se tributa. Já há jurisprudência sobre isso”, conclui Crosara.
Fonte:
Carlos Crosara (foto), especialista em direito tributário pela PUC/SP, mestre e doutorando em Direito Tributário pela USP, advogado do escritório Natal & Manssur Advogados.
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