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Senta que lá vem mais história

Rei Carlos III encomendou um mapa da América do Sul no século 18 e ficou horrorizado ao ver o resultado

04/02/2025 09h28 Atualizada há 2 semanas
Por: Redação Fonte: IGN Brasil
Senta que lá vem mais história

O cartógrafo Juan de la Cruz Cano, cometeu um erro enorme: entregar uma obra muito boa em tempos turbulentos.

O ciúme profissional pregou uma peça em Juan de la Cruz Cano y Olmedilla quando, em 1764, ele foi encarregado por Carlos III de elaborar um mapa da América do Sul. O geógrafo se empenhou tanto no projeto e o resultado final foi tão preciso que o rei ficou chocado quando o viu. Seu mapa era uma verdadeira joia cartográfica, mas acabou sendo condenado pelos Bourbon. Por ordem expressa do Conde de Floridablanca, as poucas cópias do mapa desapareceram, como se nunca tivessem existido: o governo suspendeu a impressão do mapa e recolheu todas as cópias que pôde para guardá-las a sete chaves.

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O motivo: um bom trabalho em tempos ruins
Aos 30 anos de idade, o cartógrafo e geógrafo Juan de la Cruz Cano recebeu uma comissão entre 1764 e 1765 que faria qualquer um de seus colegas salivar de emoção. O Marquês de Grimaldi, Ministro de Estado, confiou a ele a ambiciosa tarefa de desenhar um grande mapa da América do Sul. O resultado tinha de ser preciso e mostrar os territórios da Coroa Espanhola, bem posicionados e em relação às possessões controladas por Portugal. Como se a missão não fosse suficientemente desafiadora, o ministro estava agindo sob as ordens do próprio rei Carlos III.

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A missão era difícil e exigiu um investimento considerável de esforço e tempo de Juan de la Cruz Cano. Ele dedicou mais de dez anos à missão, de acordo com a Biblioteca Nacional da Espanha (BNE), que afirma que, para dar forma ao mapa, o geógrafo realizou uma meticulosa tarefa de coleta de dados, consultou os testemunhos de exploradores e colonizadores, verificou fontes e, é claro, produziu “um magnífico layout cartográfico”. Depois de muitas dores de cabeça e contando com os estudos de Jorge Juan e Antonio de Ulloa, Juan concluiu o trabalho na década de 1770. O mapa foi carimbado pela primeira vez no final de 1775.

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“Dos mais importantes”. As aspas são novamente do BNE, que insiste que o mapa de Juan de la Cruz Cano é um dos mais importantes mapas da América do Sul impressos na Europa do século XVIII e até serviu de base para muitos outros mapas publicados posteriormente. Ele era tão preciso que sua recepção inicial foi boa. E isso é compreensível: o mapa consistia em oito placas enormes, media 2,6 metros de altura por 1,85 metros de largura e tinha uma escala de 1:4.000.000. (um para quatro milhões)

Uma inspeção minuciosa revelou anotações, toponímia abundante e uma representação detalhada da rede hidrográfica e rodoviária, bem como desenhos que o completavam como uma obra de arte: alegorias da América e da Europa, o símbolo da Ordem de Carlos III, brasões e até mesmo a ilustração de uma coluna profusamente decorada com o busto de Colombo. Também incluía cálculos para as linhas de demarcação entre os domínios português e espanhol, de acordo com o Tratado de Tordesilhas.

Perigosamente bom
A satisfação inicial gerada pelo mapa logo se transformou em uma sensação muito diferente e muito menos edificante: medo, preocupação. 1775 não era um bom momento para mostrar um mapa da América do Sul tão preciso quanto o produzido por Juan de la Cruz. A Espanha estava em meio a negociações com Portugal para chegar a um novo tratado sobre a delimitação de suas possessões na América, um esforço que levaria ao Tratado de San Ildefonso em 1777, e esse mapa da América do Sul não beneficiava exatamente a posição espanhola.

“Os dados do mapa favoreciam as aspirações de Portugal. Por essa razão, o governo ordenou que a impressão fosse suspensa e que as cópias distribuídas fossem recolhidas”, relata o BNE no arquivo dedicado ao mapa, conhecido como Mapa geográfico de América Meridional (Mapa geográfico da América do Sul).

A história do mapa foi de curta duração. Depois de três edições, e dado o incômodo que o mapa causou à Coroa, em 1789 o Conde de Floridablanca ordenou que todas as cópias fossem destruídas. Ele não se saiu mal nessa empreitada. El País afirma que hoje restam apenas algumas cópias, distribuídas entre a Biblioteca Nacional, a Academia Real de História e coleções privadas e públicas.

“151 mapas e as placas de cobre foram mantidos na Real Calcografia, com a proibição de que nenhuma cópia fosse vendida porque os limites entre os domínios espanhol e português estavam errados”, afirma o Museu Cerralbo. Essa era a versão oficial, é claro. A realidade era bem diferente: o governo temia que a precisão do trabalho prejudicasse a posição que a Espanha havia defendido perante Lisboa após o primeiro Tratado de Santo Ildefonso. “O mapa implicava um reconhecimento das usurpações territoriais de Portugal”, diz o museu.

O mapa de Juan de la Cruz Cano é uma história peculiar. Seu final também é, e deixa um gosto agridoce. O enorme trabalho cartográfico que ele desenvolveu ao longo dos anos acabaria recebendo reconhecimento dentro e fora da Espanha e hoje é considerado uma joia histórica e um dos mapas mais importantes impressos na Europa no século XVIII, mas todos esses elogios foram de pouca utilidade para aqueles que se dedicaram ao projeto, incluindo o próprio Juan de la Cruz Cano, que morreu em 1790, um ano depois que Floridablanca ordenou que qualquer amostra do mapa fosse varrida, como se nunca tivesse existido.

“O gravador, que havia investido toda a sua fortuna nesse trabalho, foi indenizado, mas morreu arruinado e desacreditado como cartógrafo”, lembra o Ministério da Cultura. Nem mesmo todo o zelo da Coroa espanhola conseguiu impedir que cópias da obra viajassem pela Europa e chegassem até Thomas Jefferson, futuro presidente dos Estados Unidos e então embaixador americano em Paris. Apesar dos esforços de Floridablanca para impedir que isso acontecesse, Jefferson encomendou uma cópia.

Prova do interesse que a obra de Juan de la Cruz Cano ainda desperta hoje, quase dois séculos e meio depois, é que uma cópia foi leiloada em 2021 e vendida por 26 mil euros.

Fonte: IGN Brasil

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