Crime ocorrido em 1990, no Rio de Janeiro, nunca foi solucionado
Em decisão histórica, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou, hoje (4), que o Estado Brasileiro cumpra uma série de medidas a favor das famílias das onze vítimas da Chacina de Acari, ocorrida em 1990, no Rio de Janeiro. Dentre as recomendações estão: reparação indenizatória, emissão das certidões de óbito, criação de um espaço em memória das vítimas, apoio psicológico aos familiares, além do reconhecimento do desaparecimento forçado e da implementação de políticas públicas de combate à atuação de milícias. A sentença deve ser entregue à Ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo dos Santos, na próxima semana. Participaram da audiência, realizada na sala da ONU (Organização das Nações Unidas), na OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil), representantes da ONG CRIOLA, do movimento Mães de Acari, do Projeto Legal e da Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ.
O crime, conhecido como Chacina de Acari, mobilizou o movimento Mães de Acari logo após o desaparecimento de 11 pessoas, sequestradas por um grupo de extermínio no município de Magé, na Baixada Fluminense, em 1990. Os corpos nunca foram encontrados e, 34 anos depois, a grande maioria das famílias não obteve o direito à emissão das certidões de óbito das vítimas.
Familiares das vítimas, ONG CRIOLA, Projeto Legal e Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ acompanham a leitura da sentença
Rosangela da Silva, irmã da vítima Luiz Henrique da Silva Euzébio e filha de Edmea da Silva Euzébio, uma das fundadoras do movimento Mães de Acari que foi executada três anos após o desaparecimento, comentou a sentença. ‘’Meu sentimento hoje é de nascimento do meu irmão. Porque foram 34 anos sofrendo, correndo atrás, indo e voltando sem nenhuma solução. Hoje, a gente teve uma resposta positiva, mas tivemos que recorrer a um órgão de fora. Vamos seguir buscando justiça aqui no nosso país também”, declara.
A coordenadora geral da ONG CRIOLA, Lúcia Xavier, que acompanha o movimento Mães de Acari desde a sua fundação, destacou a importância da sentença para o país. “Além do reconhecimento da legislação do desaparecimento forçado, a decisão vai fortalecer uma política, não só de segurança pública, mas de cuidado, de saúde, de suporte aos familiares que viveram essa tragédia. É uma correção dos rumos da política do Estado contra violências desse tipo. Não podemos normalizar o desaparecimento forçado e, para romper com isso, o Estado Brasileiro precisa pôr um ponto final nessas práticas tanto institucionalizadas, quanto aquelas realizadas por grupos armados como a milícia e o crime organizado”, afirma Lúcia.
Em 2006, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos determinou uma série de recomendações ao Estado Brasileiro, que não foram cumpridas. Em decorrência disso, o caso foi levado à Corte IDH, instância superior, que iniciou o julgamento do caso em outubro de 2023.
Desaparecimento forçado ainda não é reconhecido pela legislação brasileira
Internacionalmente, o termo se refere a quando forças estatais negam ter a vítima sob sua custódia, privando-a da proteção da lei. Apesar de não ser reconhecido pela legislação brasileira, segundo o boletim Desaparecimentos Forçados na Baixada Fluminense- Violações, Genocídio e Tortura, produzido pela organização Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, divulgado em 2023, 25% dos desaparecimentos forçados acontecem na Baixada Fluminense, no comparativo com todo o estado do Rio de Janeiro.
Para o presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ, Carlos Nicodemos, a sentença é histórica, pois abre precedente para que haja esse reconhecimento por parte do Estado Brasileiro. “A decisão abrange outros casos, sendo referência para demarcar vários temas no campo dos direitos humanos. A determinação da Corte certamente vai ter uma repercussão positiva para reordenar as políticas no Brasil. É uma sentença que conseguiu se atualizar e enfrentar temas, como o da milícia, por exemplo, que não existiam em 1990”, afirma Nicodemos.
Relembre o caso
Em julho de 1990, onze pessoas foram sequestradas em Magé, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. O desaparecimento forçado das vítimas foi atribuído a um grupo de extermínio que atuava na região, conhecido como Cavalos Corredores, envolvendo policiais militares e civis. Oito dos desaparecidos eram adolescentes com idades entre 13 e 18 anos.
Lúcia Xavier, coordenadora geral da ONG CRIOLA, presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ, Carlos Nicodemos, Ana Maria da Silva, mãe da vítima Antonio Carlos da Silva, Mônica Alckmin, representante do Projeto Legal
Em busca de justiça por seus filhos, o movimento Mães de Acari foi fundado logo após o crime. Três anos depois da chacina, uma das fundadoras, Edmea da Silva Euzébio e de sua sobrinha, Sheila da Conceição, foram assassinadas em uma emboscada no Centro do Rio de Janeiro. Em abril deste ano, os policiais acusados do crime foram absolvidos pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri por insuficiência de provas.
Sobre Criola
CRIOLA é uma organização da sociedade civil fundada em 1992 e conduzida por mulheres negras. Atua na defesa e promoção de direitos das mulheres negras em uma perspectiva integrada e transversal, tendo por missão trabalhar para a erradicação do racismo patriarcal cisheteronormativo, contribuindo com a instrumentalização de meninas e mulheres negras, cis e trans, para a garantia dos direitos, da democracia, da justiça e pelo Bem Viver.
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