Para se combater um problema, nada melhor do que compreender a causa.
A questão que pairava sobre os produtores rurais no início dos anos 90 era
intrigante: como pode o agronegócio brasileiro ser tão competente e
rentável, protegido por uma das melhores legislações agrárias do planeta e
ainda assim estar tão endividado? A resposta começou a ser costurada em
1993, quando o Congresso Federal instalou uma Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito, presidida pelo então Deputado Federal Jonas Pinheiro,
cujo objetivo era investigar as causas do endividamento do setor agrícola e
o elevado custo dos seus financiamentos.
Realizadas dezenas de audiências e ouvidas incontáveis testemunhas, o
então Presidente do Banco do Brasil, Alcir Calliari, declarou que “nem
plantando maconha irrigada seria possível pagar os empréstimos agrícolas
com os custos financeiros então praticados”. A CPMI tanto escavou que
chegou à causa do problema: era da porteira para fora (mais precisamente
da porta do banco para dentro) a origem do débito e não simplesmente
uma questão de má-gestão por parte dos produtores rurais brasileiros.
Embora digno de figurar nas mais importantes bibliotecas de todo o País, o
fato é que o Relatório Final da CPMI, que descortinou incontáveis práticas
bancárias ilegais que geraram o infame endividamento, foi varrido para
debaixo do tapete junto com uma promessa de solução a toque de caixa
para o produtor. O Congresso não levaria adiante as descobertas da CPMI
e em troca o agronegócio brasileiro seria “agraciado” com uma moratória
agrícola que teria por objetivo revisar os débitos, expurgando as cobranças
ilegais, e saneá-los através de uma prorrogação que permitisse seu
pagamento. A moratória prometida veio à luz em duas etapas: a
SECURITIZAÇÃO de 1996, para os débitos de até R$ 200.000,00 por pessoa
física ou jurídica, e o PESA – Plano Especial de Saneamento de Ativos (1998
– 2003), para os valores que extrapolavam o limite objetivo da Securitização.
A ideia era simples. Primeiro revisar o débito e enxugá-lo das cobranças
ilegais já comprovadas; depois, promover uma espécie de parcelamento
que tornasse possível o seu pagamento. Assim, tanto na Securitização
quanto no PESA, a primeira fase deveria ser a de recálculo e somente então,
encontrado o valor real/legal do endividamento, seu saldo devedor seria
reprogramado para pagamento futuro.
Ainda nessa fase, o projeto fracassou. Os bancos, já de saída, negaram a
grande parte dos produtores o direito à renegociação, alegando que a
redação da Lei de Securitização apenas facultava o enquadramento da
dívida na moratória, mas não obrigava. Este primeiro grande entrave foi
derrotado na Justiça, onde os produtores provaram seu direito e
conseguiram securitizar seu débito.
O que parecia ser o fim do pesadelo, porém, era o início. Com a dívida mal
recalculada (em muitos casos sem recálculo nenhum), os valores
enquadrados na Securitização e no PESA acabaram sendo muito superiores
aos legalmente devidos, o que tornou, para a imensa maioria dos
produtores, a moratória impossível de ser paga. E não parou por aí: com a
edição da Medida Provisória n. 09, ainda em 2001, que veio a ser convertida
na Lei 10.437, de 2002, os débitos de Securitização e PESA dos bancos
oficiais (Banco do Brasil, BASA e BNB) ainda vieram a ser transferidos para
a União Federal, o que agravou em muito o problema. A União acabou
recebendo nesta cessão valores irreais, criados com base em cobranças
totalmente ilícitas da fase ainda bancária e, por falta de estrutura
especializada, também não conseguiu resolver o problema.
O fato é que é preciso abrir de uma vez a caixa preta e resolver os débitos
de Securitização e PESA. Em muitos casos nunca houve o expurgo do
diferencial de Plano Collor; em outros, o recálculo não extirpou os juros
indevidos; ainda, há casos em que nenhum recálculo foi eficientemente
realizado. Enquanto isso, o débito sobe assustadoramente, impulsionado
pelo IGP-M na fase bancária e pela SELIC na fase de execução fiscal. E mais:
muitos produtores perderam – e outros tantos ainda estão por perder –
suas propriedades em nome de um débito que deveria ter sido reduzido,
recalculado, prorrogado e pago através do trabalho e da produção, e não
da perda de patrimônio.
Até que o Congresso Federal aja e encarne novamente a coragem dos
Senadores e Deputados dos anos de 1990, que ousaram questionar o
Governo e os bancos para desmascarar os desmandos e ilegalidades
sofridos pelos produtores rurais, cada agricultor e cada pecuarista no Brasil
estará por sua própria sorte e terá que se defender na Justiça contra os
débitos de Securitização e de PESA. Em seu favor estará sempre a força da
Lei e da jurisprudência, que asseguram ao produtor o direito de abrir, por
sua própria conta e esforço, a caixa de pandora da moratória dos anos 90 e
recalcular na Justiça os débitos, de forma a poder pagar com trabalho e não
com a perda de bens.
Não se pode também esquecer que no caso específico do PESA – Plano
Especial de Saneamento de Ativos, o problema é ainda mais complexo. Para
obter o enquadramento do débito no PESA, o produtor adquiriu – e cedeu
ao banco – títulos da dívida pública (CTN´s – Certificados do Tesouro
Nacional) no valor nominal da dívida. Assim, se o produtor comprou CTN´s
para alongar uma dívida de, por exemplo, um milhão, e prova na Justiça que
seu débito não passa de seiscentos mil, não basta reduzir a dívida nos
moldes da Lei: é preciso também garantir ao produtor a devolução de todo
título da dívida pública comprado em excesso.
Embora muito já tenha sido discutido no Congresso sobre a adoção de uma
espécie de REFIS RURAL para estes débitos de Securitização e PESA, assim
como uma anistia ampla e irrestrita, o fato é que hoje cabe ao produtor se
defender, muitas vezes na Justiça, para obter a redução do débito e a
devolução dos CTN´s comprados em excesso. Muitas vezes porque falta à
toda a sociedade urbana a real compreensão de que anistia, neste caso, não
é benefício, mas sim Justiça. Por isso que, na maioria das vezes, para se
combater um problema, nada melhor do que compreender a causa.
Henrique Jambiski Pinto dos Santos (foto) é advogado agrarista com milhares de casos resolvidos em todo o País e defende o produtor rural há mais de 25 anos.
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